cantiga de Pero Viviaez:
Uã donzela coitado
d' amor por si me faz andar
e en sas feituras falar
quero eu, come namorado:
restr’ agudo come foron,
barva no queix' e no granhon,
e o ventre grand' e inchado.
Sobrancelhas mesturadas,
grandes e mui cabeludas,
sobre-los olhos merjudas;
e as tetas pendoradas
e mui grandes, per boa fé;
á un palm’ e meio no pé
e no cós três plegadas.
A testa ten enrugada
E os olhos encovados,
dentes pintos come dados...
e acabei, de passada.
Atal a fez Nostro Senhor:
mui sen doair' e sen sabor,
des i mui pobr’ e forçada.
A presente cantiga caracteriza-se como uma cantiga de maldizer , pois ela ironiza a beleza da mulher com ofensas diretas. Isso pode ser percebido nos seguintes versos:
“barva no queix' e no granhon,
e o ventre grand' e inchado.
Sobrancelhas mesturadas,
grandes e mui cabeludas,
sobre-los olhos merjudas;
e as tetas pendoradas
e mui grandes, per boa fé;
á un palm’ e meio no pé
e no cós três plegadas.
A testa ten enrugada
E os olhos encovados,
dentes pintos come dados...
e acabei, de passada.”
O eu – lírico aqui vai transfigurando o rosto e o corpo da mulher de forma difamatória. Ainda acrescenta no final da cantiga um dado de cunho social sobre essa mulher, ou seja, ela acaba sendo rejeitada por não haver nenhum encanto nela e também por ser uma mulher pobre. Como uma das características das cantigas de maldizer é representar o grotesco, dessa forma o eu- lírico nessa canção explicita de forma bruta o corpo feminino.
Dialogando com as músicas brasileiras atuais encontramos características semelhantes nos funks brasileiros. Citamos como exemplo a música “Dona Gigi” de Os Caçadores.
Dona Gigi
Os Caçadores
Composição: Waguinho
Ih dasqui ih
“eu sou a dona gigi”
Ih dasqui dasqui dasqui ih
"esse aqui é meu esposo"
Ih dasqui dasqui dasqui ih
"esse aí é seu esposo?!?"
Ih dasqui dasqui dasqui ih
"é sim..."
Se me vê agarrado com ela
Separa que é briga tá ligado!
Ela quer um carinho gostoso
Um bico dois soco e três cruzado!
Tá com pena leva ela pra casa
Porque nem de graça eu quero essa mulher!
Caçadores estão na pista pra dizer como ela é...
Se me vê agarrado com ela
Separa que é briga, tá ligado!
Ela quer um carinho gostoso
Um bico dois soco e três cruzado!
Tá com pena leva ela pra casa
Porque nem de graça eu quero essa mulher!
Caçadores estão na pista pra dizer como ela é...
Caolha, nariz de tomada, sem bunda, perneta,
Corpo de minhoca, banguela, orelhuda, tem unha incravada,
Com peito caido e um caroço nas costas...
Ih gente! capina, despenca,
Cai fora, vai embora ,
Se não vai dançar,
Chamei 2 guerreiros,
Bispo macedo, com padre quevedo pra te exorcisar...
Oi, vaza!
Tcha tchritcha tchritcha tchum, tchritcha tchritcha
Fede mais que um urubu,
Canhão! vou falar bem curto e grosso contigo, hein...
Já falei pra vaza!
Coisa igual nunca se viu...
Oh vai pra puxa... tu é feia...
Na canção vemos uma deformação, deturpação da imagem feminina quando o autor vai enumerando os seguintes adjetivos:
“Caolha, nariz de tomada, sem bunda, perneta,
Corpo de minhoca, banguela, orelhuda, tem unha incravada,
Com peito caído e um caroço nas costas...”
“Fede mais que um urubu.”
Na composição o autor utiliza dos seguintes recursos sonoros: as assonâncias, na repetição da vogal “o”.
“Separa que é briga tá ligado!
Ela quer um carinho gostoso
Um bico dois soco e três cruzado!”
Ainda percebemos a utilização da figura de estilo hipérbole que descreve de modo exagerado essa mulher que é tratada na música.
“Caolha, nariz de tomada, sem bunda, perneta,
Corpo de minhoca, banguela, orelhuda, tem unha incravada,
Com peito caido e um caroço nas costas...”
Encontramos os recursos de rimas cruzadas ou intercaladas:
“Separa que é briga tá ligado!
Ela quer um carinho gostoso
Um bico dois soco e três cruzado!
Quanto as estrofes, a música apresenta três estrofes elas se repetem no decorrer da canção.
Com relação a linguagem da música, é interessante vermos que o autor usa um linguagem totalmente informal dotada de gírias e expressões coloquiais que marcam o vocabulário dos funks, como também das classes sociais que compõem a sociedade brasileira.
Assim, vimos no decorrer dos estudos que algumas cantigas do trovadorismo cantam um amor cortês, divinalizam a dama e a descreve amorosamente. Outras cantigas são o avesso dessa idealização, difamam violentamente essa mulher. Na atualidade, percebemos que geralmente a mulher, nos funks, é vista como simples objeto de prazer e eles a expõem em uma situação sexual explicita; como também a descrevem de modo grotesco associando a figura feminina com termos como cachorra, popozuda, potranca, piranha, vadia, entre outros.
RETIRADO DE http://lerliteratura.blogspot.com/2010/04/visite-o-blog-e-faca-um-passeio.html
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