Meu primeiro contato com os leitores e as leitoras do Moderna OnLine ocorre quando recém recordamos o dia dedicado às professoras e aos professores e isto nos traz reflexões sobre o motivo da data. Primeiro deve-se dizer que isto não nos torna distinguidos como categoria, por nos vermos homenageados com um dia especial. Se olharmos um bom almanaque talvez seja mais difícil descobrir quem ou o que não tem dia. Poderíamos até nos perguntar porque o nosso dia não é, afortunadamente, tão explorado comercialmente como outros dias (das mães, dos pais, das crianças, dos namorados, do amigo, da sogra, ou o Natal…).
Há um tempo, quem tinha algum lucro com a data eram os jornais que publicavam, em primeira página, mensagens oficiais, usualmente assinadas pelas Secretarias de Educação com textos laudatórios, às vezes quase hagiográficos, enaltecendo nossa missão quase sacerdotal de heróis e heroínas que dão tudo de si para fazer com que as jovens gerações se transformem em cidadãos e cidadãs. Felizmente estas hipocrisias os governos não têm mais coragem de fazer.
Nossa data também já se prestou para se apresentar modelos de professoras e professores, em geral ao melhor estilo hollywoodiano, onde em geral estes e estas são personagens fora do tipo convencional, como em Ao mestre com carinho, no qual um engenheiro fracassado se transforma em bom professor; ou em Conrack, em que um professor branco faz milagres em uma escola pobre de alunos negros; ou ainda, em situações tão ridículas como Um professor aloprado, no qual o ensinar Química se confunde com fazer loucuras; ou trazendo um filme mais recente, Mr. Holland, o adorável professor, em que um músico sem sucesso é surpreendido com as possibilidades de ser um bom professor. Há nessa linha dezenas de filmes em que ser bom um professor ou uma boa professora é sempre ser quase um ser fora dos padrões, que cada uma e cada um de nós não gostaria ser, pois queremos ser distinguidos não por rompantes milagreiros mas pelo nosso fazer bem feito aquilo que é o próprio de nossa profissão, coisas estas usualmente não são salientadas nos ditos filmes modelos. Aliás, poder- se-ia também questionar por que há muito mais filmes sobre heróis professores do que sobre professoras. Aqui se pode ver uma vez mais a discriminação de gênero, em que há professoras no ensino fundamental - coisa mais fácil, logo, para mulheres - e há professores no ensino médio e superior. Não vou trazer aqui, uma vez mais, uma tese que tenho defendido em outros textos - ou mesmo quando tenho falado em diferentes universidades: É mais difícil (mais complexo) lecionar ciência no ensino fundamental, do que, por exemplo, lecionar Química no ensino superior. A leitora ou o leitor pode imaginar quanto, enunciar esta tese numa universidade é motivo de polêmica, pois é nela que usualmente os docentes se encastelam na defesa da complexidade daquilo que dizem ensinar.
O advento de um mundo cada vez mais informatizado modifica o mundo do trabalho e a ameaça do desemprego assusta profissionais de diferentes áreas. Há ainda muitos que se recordam dos tempos em que íamos a um estabelecimento bancário e levávamos a caderneta, na qual o escriturário fazia as anotações manualmente - há talvez os que se lembram de lançamentos feitos com pena doze exigindo o uso de mata-borrão.
Com toda uma fantástica evolução tecnológica, inclusive naquela disponível para a Educação, uma profissão que durante séculos não teve modificações significativas é a de professor. Se Anchieta, cujo quarto centenário de morte se evoca neste 1997 e que foi dos primeiros professores neste Brasil pós-cabrálico, entrasse hoje em nossas salas de aula muito pouco se surpreenderia, pois métodos e tecnologias são quase os mesmos. Continua-se fazendo Educação com artesania.
Há, todavia, significativos sinais de transição nessa área. Antes de parecer um profeta do apocalipse, preciso dizer que estou cada vez mais convencido de que nesse quadro da História, de tão fantásticas transformações tecnológicas, o professor informador — refiro-me àquela ou àquele que se gratifica em ser transmissor de conteúdo — está superado. Ele é um sério candidato ao desemprego ou será aproveitado pelo sistema para continuar fazendo algo (in)útil nessa tendência neoliberal de se transformar o ensino (não a Educação em uma mercadoria para fazer clientes satisfeitos como apregoam os adeptos da Qualidade Total). Mas o professor formador ou a professora formadora será cada vez mais importante nesta virada de milênio.
Olhemos um pouco a disponibilidade de informação que inexistia em nosso meio há dois ou três anos atrás.
A Internet, para dar apenas um exemplo de algo que está a determinar a suplantação do professor informador, é um recurso cada vez mais disponível, a baixos custos, para facilitar o fornecimento de informações. Hoje temos, por exemplo, acesso às edições dos últimos anos dos maiores jornais do Brasil e do exterior, ao se digitar uma palavra-chave, recebe- se uma relação de artigos e notícias onde está assunto escolhido. Hoje podemos ir também a Bibliotecas de muitos países do mundo. Por exemplo, a geração do vídeo (os screenagers) está ensinando aos adultos a conviver com novas tecnologias.
Meu exemplo é insignificante diante do mundo fantástico que recém se inicia, onde já podemos assistir, em tempo real, um vulcão em erupção na Nova Zelândia ou dizer que possuímos, agora em nossas casas, uma fabulosa biblioteca virtual que supera a maior biblioteca real do mundo.
Assim reafirmo uma vez mais, o professor informador é um sério candidato ao desemprego, porém o professor formador ou a professora formadora será cada vez mais importante nesta virada de milênio. Esta ou este tem razões para comemorar o 15 de outubro, o outro tem sérias razões de se perguntar o que estará fazendo nesse sistema capitalista autofágico, no dia das professoras e dos professores do próximo ano.
Mesmo que pertençamos a uma das categorias profissionais de menor remuneração entre as profissões egressas da Universidade, somos talvez dos assalariados contra os quais existem menos ameaças de perda das posições de emprego no próximo milênio. Mas esta profissão, para a qual vejo ainda estabilidade, exige também transformações. Não podemos aderir ao conservadorismo, pois nessa situação corre-se o risco de sermos transformados em "ligadores" de aparelhos televisão.
Quando tentamos caracterizar o nosso Planeta nesse ocaso bi-milenar, muito provavelmente a facilidade com que as informações estão disponíveis é uma das grandes referências. Hoje temos acesso ao cabedal dos conhecimentos que a humanidade produziu na sua História e também, quase que instantaneamente, àquilo que é atualmente produzido. A propósito, ouvi recentemente a afirmação de que em 1995, a cada 45 minutos, se produziu conhecimento equivalente a uma Enciclopédia Britannica.
Como não existe, e muito provavelmente não existirá nas próximas gerações, nenhum programa de computador que faça formação - lamentavelmente ainda são poucos os professores formadores - se professor informador é um sério candidato ao desemprego, o professor formador ou a professora formadora será cada vez mais importante. Assim, para esta secular profissão a informatização não é uma ameaça e sim uma fabulosa oportunidade.