A palavra Parnasianismo esta relacionada com o Parnaso grego, que segundo a mitologia grega, é o nome dado a um monte da Grécia Central, morada de Apolo e de suas musas.
O Parnasianismo é a manifestação poética correspondente ao Realismo, embora ideologicamente não mantenha todos os pontos de contato com os romancistas realistas e naturalistas. É uma estética preocupada com a “arte pela arte”, ou com a “arte sobre a arte”, com seus poetas um tanto alheios às transformações do final do século XIX e início do século XX.
Os três estilos__ Parnasianismo, Realismo, e Naturalismo __ assemelham-se, portanto, enquanto busca de superação do velho modelo romântico, que tende a privilegiar a fantasia criadora, a emoção e a subjetividade, no processo de criação artística. Tais elementos, no entanto, já não condiziam com a evolução cientificista e tecnicista que caracterizou a segunda metade do século XIX, por isso as Escolas Realista pregaram a racionalidade, a objetividade e a precisão arquitetônica como critérios fundamentais para o fazer artístico. Este fazer adquiriu, assim, um sentido mais rigoroso de trabalho intelectual, que transcende a prática romântica, essencialmente fundamentada na “inspiração”, para acrescentar-lhe a “transpiração”: o cuidado com a linguagem, a preocupação com a forma, a lapidação e o refinamento do texto.
De uma influência basicamente, francesa, a poética parnasiana baseava-se no binômio objetividade/ culto da forma, numa evidente postura anti-romântica.
A objetividade temática surge como negação do sentimentalismo romântico, numa tentativa de atingir a impassibilidade e a impessoalidade. Opunha ao subjetivismo decadente o universalismo; a natureza não é mais interpretada como uma extensão do poeta, e sim como algo a ser descrito de forma precisa, objetiva e impessoal.
Retorna-se a antiguidade clássica, com seu racionalismo e formas perfeitas; desenvolve-se uma poesia de meditação, filosófica, mas artificial, isso porque essa ênfase formalista do estilo Parnasiano levou-o a desprezar o assunto em função da supervalorização da técnica e, portanto, a separar o sujeito criador de seu objeto criado, o texto, num objetivismo sem precedentes em toda a história da literatura. Em decorrência disso, a prática literária parnasiana, totalmente concentrada na produção poética, tendeu a alienar-se da vida, a refugiar-se no mundo clássico, cujos critérios artísticos adotou, tornando-se academicista, elitista, fechada em seus domínios exclusivamente estéticos.
Nesse sentido, o Parnasianismo, excessivamente comprometido com a busca de perfeição técnica da obra de arte, é o estilo que melhor exemplifica a idéia de literatura como trabalho de linguagem, que será explorada pelos modernistas ao longo do século XX.
Assim, enquanto o Realismo e o Naturalismo, são estilos voltados para a crítica social, a contestação dos valores burgueses, a estética parnasiana concentrou-se no ideal da arte pela arte, ou seja, valorizou, sobretudo o seu próprio mundo, em detrimento da realidade exterior.
Aula 32 - Parnasianismo
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CARACTERÍSTICA DO PARNASIANISMO
A busca de perfeição formal, de acordo com as regras clássicas de criação poética, fez com que os poemas parnasianos primassem pelo rigor técnico.
Suas características principais são:
• A preferência pelas formas poéticas fixas e regulares, como, por exemplo, o soneto, com esquema métricos, rítmicos sofisticados e tradicionalistas;
• O purismo e o preciosismo vocabular e linguístico, com o predomínio de termos eruditos, raros e visando à máxima precisão; e também de construção sintáticas e poéticas refinadas;
• A tendência descritivista, buscando o máximo de objetividade na elaboração do poema e assim separando o sujeito criador do objeto criado;
• O destaque ao erotismo e à sensualidade feminina;
• As referências à mitologia greco-latina;
• O esteticismo, a depuração formal, o ideal da “arte pela arte”;
• A visão da obra como resultado do trabalho, do esforço do artista, que se coloca como um técnico do verso perfeito.
Então, o traço mais característico da poética parnasiana é o culto da forma: o soneto, a métrica Alexandrina (12 sílabas poéticas), e decassílabos perfeitos, a rima rica, rara e perfeita. O poema “Vanitas”, de Olavo Bilac, é um exemplo da poesia dessa época. Tudo isso contrapondo-se aos versos livres e brancos. Em suma é o endeusamento da Forma, como afirma Olavo Bilac no poema “Profissão de fé”, também de Olavo Bilac.
Parnasianismo
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Profissão de fé é uma declaração pública de uma crença, um juramento apoético de que o autor morrerá “em prol do Estilo”, define a palavra como algo que não se identifica com a substância das coisas, mas “veste-a” magnificamente, com isso constitui um manifesto de poesia parnasiana: é um poema metalinguístico sobre o processo de criação artística desse estilo.Observe que o poeta crê que a poesia existe em função da forma, grafada neste poema com inicial maiúscula.
Profissão de fé
Olavo Bilac
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevFaz de uma flor.
Imito-. E, pois nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corte o cinzal.
Corre: desenha, enfeita a imagem,
A idéia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão sutil,
Possa o lavor lembrar de um verso
De Becerril.
E horas sem conta passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
Celebrai o teu o ofício
No altar: porém,
Se ainda é pequeno o sacrifício,
Morra eu também!
Caia eu também, sem esperança,
Porém tranqüilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do estilo!
Profissão de fé: declaração pública de uma crença; no caso, de um conceito sobre poesia.
Ourives: aquele que trabalha em ouro, burilando a forma; por extensão,joalheiro. No poema, compara-se a atividade poética com o trabalho do ourives, ou seja, a busca da perfeição formal.
Carrara: cidade italiana famosa pela qualidade de seu mármore.
Ônix: pedra preciosa. O poeta diz preferir as pedras raras ao mármore; no caso, as pedras preciosas significam as palavras nobres usadas pelos parnasianos.
Cinzel: instrumento de aço, cortante, usado por escultores e joalheiros. No poema, compara-se o cinzel, que trabalha a forma da jóia, à pena do poeta, que trabalha a forma poética.
Verso de ouro: o último verso de cada estrofe; para os parnasianos, a expressão mais comum era “chave de ouro”: o poeta se esmerava em obter uma imagem de efeito.
Rubim: variante, por nasalação, de rubi. Observe a rima enfim/rubim, utilizando a forma menos usual da palavra rubi.
Oficina: aqui, o local de trabalho do poeta/ourives.
Deusa Forma: a divinização da forma como objetivo da postura do poeta parnasiano, da sua fé. Nas duas últimas estrofes, o trabalho do poeta é visto como um sacrifício religioso.
O PARNASIANISMO NO BRASIL
O Parnasianismo, com sua tendência academicista, surgiu no Brasil ligado ao processo de consolidação da vida literária no país. Ao longo dessa década, uma geração de intelectuais, influenciados por filosofias materialistas, fortaleceu a oficialização do papel do escritor, em centros irradiadores das idéias modernas. Um deles era a Faculdade de Direito do Recife, liderada pelo pensador e ensaísta Tobias Barreto, que trabalhava com a cultura alemã, o direito moderno e o então chamado modernismo filosófico-científico.
Na medida em que se caracteriza pelo academicismo e pela formalidade, o estilo parnasiano logo ocupou o espaço da “literatura oficial”, da manifestação literária representativa da “ordem vigente” brasileira, contra a qual se insurgiam os modernistas, nas primeiras décadas do século XX.
Entretanto, nem sempre os nossos poetas parnasianos seguiram com total fidelidade os cânones do estilo. Olavo Bilac, por exemplo, o mais popular de todos, produziu muitos poemas de sensibilidade romântica.
Ao parnasianismo sucedeu-se o Simbolismo, estilo poético em alguns aspectos fundador da modernidade, que como vimos uns de seus precursores do Simbolismo foi Charles Pierre Baudelaire, este também lançou bases para a poesia da modernidade.
O livro Fanfarras, de Teófilo Dias, publicado em 1882, constitui nossa primeira manifestação poética parnasiana, embora autor e texto possuam menor ressonância literária que outros, mais significativos, os quais passaremos a conhecer.
ESTUDOS DOS PRINCIPAIS AUTORES E OBRAS
A famosa tríade parnasiana brasileira compõe-se dos poetas Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correa. Além desses nomes, devemos destacar o de Vicente de Carvalho, que ficou conhecido como o “poeta do mar”, e o de Francisca Júlia, por alguns críticos considerada a voz poética parnasiana mais próxima da impassibilidade pretendida pelos defensores do estilo, conforme sugere o poema “Musa impassível”.
• Olavo Bilac (1865-1918)
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (alexandrino a partir do nome) nasceu no Rio de Janeiro, a 16 de dezembro de 1865. O menino Olavo só conheceu o pai em 1870, aos cinco anos de idade, quando este voltava da guerra do Paraguai; sua infância foi povoada de histórias e de hinos militares. Estudou Medicina e Direito, mas não concluiu nenhum dos dois cursos. Trabalhou como jornalista, funcionário público e inspetor escolar, dedicando-se amplamente ao ensino: traduziu e escreveu versos infantis, foi autor de livros didáticos, organizou antologias escolares, Em 1915 fez campanhas pela instrução primária, pela cultura física, pelo serviço militar obrigatório e outras, de caráter nacionalista. No ano seguinte funda a Liga de Defesa Nacional. Autor da letra do “Hino à Bandeira”; mais tarde, por fazer oposição ao governo de Floriano, é exilado em Ouro Preto, Minas Gerais. A vida toda escreveu, em prosa e verso, para a imprensa, tendo sido um dos cronistas mais expressivos e polêmicos de seu tempo.
A sua militância política em favor da causa republicana e o “exílio”’ em Minas Gerais não chegam a contaminar a sua poesia parnasiana; Bilac não foge à regra do Parnasianismo, colocando-se à margem dos grandes acontecimentos políticos e sociais de seu tempo (por exemplo, inaugurou a campanha abolicionista e é acusado de se tornar republicano somente após a Proclamação da República; mais tarde inaugurou a Primeira Guerra). No entanto, fora da poesia parnasiana podemos perceber manifestações de uma outra faceta de Bilac: as poesias em que ironiza o então ditador Floriano Peixoto são excelentes (Floriano é satirizado como “Hamleto, o príncipe das Alagoas”); as crônicas publicadas em jornais cariocas revelam o lado galhofeiro e insolente de Bilac (segundo o professor Antônio Dimas, as crônicas são “ideologicamente irregulares e ora apontam para soluções reacionárias, identificadas com o sistema vigente, ora para sua contestação”).
Suas obras parnasianas podem ser assim caracterizadas:
• Em Panóplias, o poeta se encontra voltado para a Antiguidade Clássica, basicamente para Roma. Pertencem a essa fase, entre outros, os sonetos “A sesta de Nero”, “O incêndio de Roma” e “Lendo a Ilíada”.
• Em Via Láctea , temos 35 sonetos marcados por forte lirismo. O lirismo e a temática desses sonetos são responsáveis pela popularidade imediata alcançada pelo poeta. Dentre eles, merece destaque o soneto XIII: “Ora (direis) ouvir estrelas...”.
• Em Sarças de fogo, permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo. É famoso o soneto “Nel mezzo del camin...”, com seus pleonasmos e inversões.
• Em Alma inquieta e Viagens, o poeta volta-se para os temas ditos filosóficos, tão ao gosto dos parnasianos.
• Em Viagens, encontramos o poema épico “O caçador de esmeraldas”, que o próprio Bilac definiu como “episódio da epopéia sertanista no século XVIII”, narração da chegada dos bandeirantes a terras mineiras, com os paulistas individualizados na figura de Fernão Dias Pais.
• Tarde mostra o poeta mais descritivo e profundamente nacionalista. É exemplo significativo do descritivismo do poeta o soneto “Crepúsculo na mata”, e bem atestam a volta ao passado nacional os sonetos “Anchieta” e “Vila Rica”. No entanto, o que mais chama a atenção do leitor em Tarde é a consciência do fim, a proximidade da morte: o crepúsculodo poeta.
Estreou como poeta em 1888, com a obra Poesias, que foi muito bem recebida pelo público.
De temperamento plástico e retórico, atingiu em suas criações alguns dos principais objetivos parnasianos: a perfeição formal, a habilidade na versificação, a linguagem pura e preciosa e o descritivismo, muitas vezes fortemente sensual. Sua poesia, no entanto, “é superficial como visão do homem, possivelmente por ater-se à“camada sensorial das cores, dos sons, das combinações plásticas, fazendo as próprias idéias e sentimentos se transformarem em meras palavras bem ordenadas”. (Antonio Candido e J. Aderaldo Castelho. Presença da literatura brasileira. Do Romantismo ao Simbolismo. São Paulo, Difel, 1966.)
Além desse aspecto parnasiano, sua obra apresenta tonalidades românticas, percebidas, por exemplo, no lirismo amoroso e sensual de alguns poemas de “Via Láctea” e de “Sarças de fogo”. Em Tarde, o último livro, publicado um ano após a sua morte, um tom melancólico e de meditação sobre o sentido da vida e da morte revela a dimensão espiritualista, filosofante, deste que foi eleito, em 1907, num concurso realizado pela revista Fon-fon, “o príncipe dos poetas brasileiros”. Morre a 18 de dezembro de 1918, no Rio de janeiro.
Olavo Bilac é o único dos grandes parnasianos que já iniciou comungando com a estética do movimento: desde o princípio buscou a perfeição formal. Tinha a preocupação de escrever versos alexandrinos e concluir com “chave de ouro”, mesmo que para isso assumisse uma postura forçada. Segundo Bilac, o poeta deve trabalhar a poesia pacientemente-“como um beneditino”-do mesmo modo que um ourives trabalha uma jóia, buscando o relevo, a perfeição formal, servindo à Deusa Forma.
A um poeta
Olavo Bilac
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.
Ao lado disso, vale-se de uma linguagem elaborada, com constantes inversões da estrutura gramatical, buscando um efeito melhor; o amor pela língua seria coroado com o famoso soneto “língua portuguesa”:
Última flor do lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura.
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Apesar de os poetas parnasianos serem considerados “impassíveis”, objetivos, declaradamente anti-românticos, observam-se na poética de Olavo Bilac certos traços do Romantismo. O próprio poeta afirmou: “Aos chamados poetas parnasianos também se deu se deu outro nome: ‘impassíveis’. Quem pode conceber um poeta que não seja suscetível de padecimento? Ninguém e nada é impassível: nem sei se as pedras podem viver sem alma. Uma estátua, quando é verdadeiramente bela, tem sangue e nervos”.
Comprove essas afirmações a partir de elementos presentes no soneto “Ora (direis) ouvir estrelas...”.
Via Láctea
Soneto XIII
“ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” Eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao cair do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entende-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Comentário
Nesse soneto, percebem-se alguns traços românticos de Olavo Bilac. Utilizando o recurso da interlocução, o sujeito poético faz o elogio do sentimento amoroso, afirmando despertar no meio da noite e abrir a janela “pálido de espanto” para ouvir e conversar com as estrelas, inda as procurando, “saudoso e em pranto”, pelo céu deserto, quando vem o sol. Aqui tanto o sujeito poético quanto a natureza revestem-se de um sentimentalismo explícito, que contrasta com outros textos do autor, mais ligados aos preceitos parnasianos.
Remorso
Olavo Bilac
Às vezes uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! Com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude.
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
Escansão do poema Remorso
Sin-too- quees-per-di-cei- na- ju-vem-tu-(de)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Cho-ro- nes-te- co-me-ço- de- vê-lhi-(ce)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Mar-tir- dahi-po-cri-si-aou –da- vir-tu-(de)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Os- bei-jos- que –não- ti-ve- por- to-li-(ce)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Por- ti-mi-dez- o- que- so-frer- não- pu-(de)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
E- por- pu-dor- os- ver-sos- que- não- dis-(se)
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Nesse poema podemos perceber categoricamente a preocupação de Olavo Bilac, com a forma perfeita. Observe a que a última sílaba poética é sempre acentuada: ela marca o fim do verso, do segmento rítmico. Além da alternância entre sílabas fortes e fracas, o ritmo provém de outros efeitos sonoros, como a repetição de letras ou palavras.
Um deles, a rima: repetição de sons semelhantes no final de versos diferentes. Verifique as rimas do trecho anterior:
Juventude / virtude / pude
Velhice / tolice/ disse
No conjunto, fica a impressão de simétrica regularidade. No penúltimo verso, há uma alteração no esquema rítmico, preparando o verso final, aspecto mais relevante do “remorso” do poeta: “os versos que não disse”. Percebe-se o metro apoiando a famosa “chave de ouro” parnasiana.
Por ter sido o mais popular de nossos poetas parnasianos, Bilac tornou-se um dos principais alvos da crítica dos jovens artistas que implantaram o Modernismo no Brasil, nas duas primeiras décadas do século XX.
Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
Este poema de Manuel Bandeira, escrito em 1918, foi lido numa das noites da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, em 1922.
A semana foi um marco do Modernismo brasileiro e o poema de Bandeira afinava-se com o espírito demolidor e renovador dos modernistas.
O poema “Os sapos”, em que Manuel Bandeira faz uma paródia do Parnasianismo e assim produz um “antimanifesto”, uma declaração do que não pretendiam os modernistas. Esse poema ilustra bem o clima reinante no tempo da semana de Arte Moderna, sintetizando na declaração: “Não sabemos o que queremos, sabemos o que não queremos”.
O poema “Os sapos” é uma crítica de Bandeira ao Poeta Olavo Bilac, o sapo Tanoeiro é uma crítica ao poema Profissão de fé. Observe os fragmentos a seguir de ambos.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
O movimento modernista retomou vários textos parnasianos, retirando-lhes a rigidez da forma e dando-lhes feitos mais espontâneos.
Em “Via Láctea” (1888), Olavo Bilac publicou o soneto “Ora (direis) ouvir estrelas!...”.
“ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!.Eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
Mesmo escrito posteriormente, o poema de Manuel Bandeira funciona como introdução ao soneto de Bilac.
A estrela
Manuel Bandeira
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do meu dia.
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
Hoje parece consenso da melhor crítica reconhecer em Bilac não um grande poeta, mas um poeta eloqüente, capaz de dizer com fluência as coisas mais díspares, que o tocam de leve, mas o bastante para se fazerem, em suas mãos, literatura.
●Alberto de Oliveira (1859-1937)
Antônio Mariano Alberto de Oliveira nasceu em Palmital de Saquarema, Rio de Janeiro, a 28 de abril de 1857. Forma-se em Farmácia; abandona o curso de Medicina no terceiro ano. Data de 1883 sua amizade com Olavo Bilac e Raimundo Correa; é um dos sócios fundadores da academia Brasileira de Letras. Em 1924, já em pleno Modernismo e sob o impacto da Semana, é eleito Príncipe dos Poetas, no lugar deixado vago por Olavo Bilac (os “príncipes” sempre foram parnasianos). Morre a 19 de janeiro de 1937, em Niterói.
Foi considerado o poeta parnasiano mais disciplinado, mais apegado às regras e às características específicas do estilo, estreou com Canções românticas, livro romântico que antecipa sua adesão ao arnasianismo.
Embora tenha vivido 80 anos de profundas transformações políticas, econômicas sociais, além de literárias, Alberto de Oliveira sempre permaneceu fiel ao Parnasianismo e à margem dos acontecimentos históricos. A partir de seu segundo livro, Meridionais (1884), já segue as características parnasianas, a nota intimista da estréia repontaria esparsamente até os últimos poemas, provando que não fora possível, nem ao primeiro dos mestres parnasianos, a impassibilidade que a escola preconizava. Sendo mesmo considerado mestre dessa estética, pois foi realmente o mais perfeito dos parnasianos. Sua temática restringiu-se aos rígidos ensinamentos da Escola: uma poesia descritiva que abrangia desde a natureza até meros objetos, exaltando-lhes a forma (como por exemplo os sonetos “Vaso grego”, “Vaso chinês”, “A estátua”), uma impassibilidade por vezes traída por tons intimistas de alguns sonetos, o culto da arte pela arte e a exaltação da Antiguidade Clássica. A linguagem extremamente trabalhada chegava, às vezes, ao rebuscamento.
Na verdade, a teoria do “poeta impassível” era uma chochice que só a mediocridade da reflexão estética de todo esse período seria capaz de engendrar. Na origem, a poesia que se seguiu à dos românticos tendeu a diferenciar o momento emotivo pelo registro mais atento das sensações e das impressões, deslocando assim a tônica dos sentimentos vagos para a visão do real. Baudelaire falava em “moral das coisas”, o que não significava impassibilidade, mas objetividade. Desta última, mal-entendida, passou-se em pouco tempo ao fetichismo do objeto, à reificação, do que fala a crítica dialética ao analisar o espírito da sociedade burguesa nos seus aspectos autofruidores.
O parnasiano típico acabará deleitando-se na nomeação de alfaias, vasos e leques chineses, flautas gregas, taça de coral, ídolos de gesso em túmulos de mármore...e exaurindo-se na sensação de um detalhe ou na memória de um fragmento narrativo.
De tal poética nasce a composição do quadro, da cena, do retrato:
Vaso chinês
Alberto de Oliveira
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.
Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tina ardente, de um calor sombrio.
Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;
Que arte em pinta-la! A gente acaso vendo-a
Sentia um não-sei-quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.
Comentário
Soneto que busca desvendar o universo evocado por um objeto de arte, um vaso chinês. Repare que ao longo do poema o sujeito poético caracteriza a figura passional e triste do autor do vaso – “Fino artista chinês, enamorado”, que “nele pusera o coração doentio”- imaginando-a por meio das “rubras flores” e também da “singular figura” de um velho mandarim, nele pintadas...
A arte pela arte,aspirando a desfazer-se de qualquer compromisso com os níveis da existência que não os do puro fazer mimético, na sua concepção parnasiana acaba especializando-se em uma arte sobre a arte que se concentra na reprodução de objetos decorativos: lá o vaso chinês, aqui a copa e a estátua grega:
Vaso grego
Alberto de Oliveira
Esta, de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... M o lavor da taça admira,
Toca-a, e, do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual de da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa a voz de Anacreonte fosse.
Olimpo: segundo a mitologia grega, morada dos deuses.
Poeta de Teos: referência a Anacreonte, poeta grego natural de Teos ( século VI a.C.), famoso por suas canções de amor irônicas e melancólicas.
Esvazada: esvaziada.
Colmada: coberta, cheia.
Depois... representa uma ruptura no desenvolvimento do poema; há, aliás, a sugestão de um viagem no tempo – os dois quartetos referem-se à Grécia antiga; os dois tecertos convidam o leitor, contemporâneo, a admirar a beleza da taça, sua sonoridade.
Ignota: ignorada, desconhecida.
“Vaso grego”, de Alberto de Oliveira, é considerado um dos sonetos mais representativos do Parnasianismo.
Destaque para a perfeição formal, métrica rígida e linguagem extremamente trabalhada, chegando por vezes ao exagero, como exemplifica o fragmento que segue.
Estátua
Às mãos o escopro, olhando o mármor: “Quero
– O estatuário disse – uma por uma
As perfeições que têm as formas de Hero
Talhar em pedra que o ideal resuma”.
Mas, quando consegue livrar-se do bizantinismo desses motivos, o poeta produz versos expressivos, belamente sóbrios:
É um velho paredão, todo gretado,
Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Deixou num cacto em flor ensangüentado
E num pouco de musgo em cada fenda.
(“O Muro”)
Quando voltado para a natureza, Alberto de Oliveira é, em geral, mais vibrante. Falando da palmeira livre na montanha, um dos seus tópicos, ou de fonte na mata, o parnasiano não se subtraía ao fascínio da tradição romântica que, sem dúvida, fora a grande redescobridora do mundo selvagem e da possibilidade de os homens nele se evadirem guiados pela poesia.
O ato de objetivar-se retoma a senda da identificação animista:
Ser palmeira! existir num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leque abrindo, ora os leques fechando;
E isto que aqui não digo então dizer: ― que te amo,
Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendas a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas.
E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves,
Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh’alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de ti!
(“Aspiração”)
Texto quase todo fraco, mas significativo como tema. A regressão romântica ainda mais se acentua quando se casam o hino à natureza e os sons das memórias juvenis, nos cantos de “Alma em Flor”.
O que, entretanto, sela a constância do parnasianismo em Alberto de Oliveira é a fidelidade a certas leis métricas que a leitura de Castilho (Tratado de Versificação) e dos franceses mais rígidos como Banville e Heredia pusera em voga e os conselhos acadêmicos de Machado de Assis tinham vivamente estimulado. Forrados de tais princípios, os nossos parnasianos entraram a deplorar, com ralo senso histórico, a “frouxidão” e a “incorreção” dos românticos, sem perceberem que estes tinham no ouvido outros ritmos, mais próximos dos modelos medievais e populares, e estavam mais inclinados ao fluido sugestivo da melodia que à mecânica do metro.
No código novo condena-se o hiato, responsável pelo afrouxamento dos elos entre as palavras; em conseqüência, rejeita-se a diérese, que dilui a pronúncia dos ditongos. Acatando essas proibições, Alberto de Oliveira cai no extremo oposto, a contração sistemática das vogais que resulta no verso duro e martelado.
Releia-se este verso de “Aspiração”:
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas.
A contagem parnasiana do alexandrino une com violência as três primeiras vogais (eoé) e elimina o hiato de “oceano”, escandindo o-cea-no.
A rigidez no nível prosódico ajustava-se àquelas pretensões de impassibilidade de Alberto de Oliveira que, como homem, foi saudosista e sempre se alheou dos problemas nacionais, chegando mesmo a declarar em um dos seus últimos livros: “Eu hoje dou a tudo de ombros, pouco me importam paz ou guerra e não leio jornais”.
Aliás, não só na métrica procurou ser duro o mestre fluminense; também a sua sintaxe mais de uma vez se contrai e inversões neoclássicas quando não em verdadeiras sínquises barrocas, como se vê atentando para a primeira quadra de “Vaso Grego” acima transcrito.
Com todos os seus limites, porém, Alberto de Oliveira representava algo que ia além dos modismos do Parnaso: aquela mudança de eixo que se operou na poesia ocidental a partir de Gautier e de Baudelaire ― da expressão romântica do ego para a invenção formalizante do objeto poético.
Segundo, Antonio Candido e J. Alderaldo Caastelho ― Presença da literatura brasileira. Do Romantismo ao Simbolismo. (1979)
“... Vista de hoje, a sua obra parece conter dois defeitos contraditórios: prosaísmo e preciosismo. (...) Se quase não suportamos o realismo comezinho de alguns poemas, ou o tom professoral de outros, continuam a atuar sobre a nossa sensibilidade a riqueza ornamental de alguns deles, a beleza de certas experiências da natureza, o sentimento angustioso de pesadelo, que reponta do começo ao fim na sua obra como indício de inquietação maior, por entre a rotunda solenidade ou a banalidade rasteira.
(...)
Considerando por muitos o mais perfeito ou o mais característico do parnasianos brasileiros, Alberto de Oliveira mereceu as seguintes palavras de Olavo Bilac: “Foste e és o chefe da nossa escola poética. E não sei que nome deva dizer a esta doutrina, que me ensinaste, e ensinaste a tantos outros. Será ela essa famosa escola parnasiana, tão apregoada, tão defendida e tão combatida, sempre tão pouco compreendida? (...) Os poetas franceses (...) quiseram apenas lembrar que, em matéria de arte, não se compreende um artista sem arte; que, sem palavras precisas, não há idéias vivas; que, sem locução perfeita, não há perfeita comunicação de sentimentos; e que não pode haver simplicidade artística sem trabalho, e maestria sem estudo. Estas mesmas idéias preconizaste, no Brasil, pela palavra e pela ação, meu nobre mestre. Foi esta a instrução, de que foste o maior e melhor professor”.
● Raimundo Correa (1859-1937)
Raimundo da Mota de Azevedo Correia nasceu a 13 de maio de 1859, a bordo do navio São Luís, ancorado em águas do Maranhão. Advogado pela Faculdade do Largo de São Francisco, São Paulo.
Autor de uma poesia filosofante, pessimista, que tem por tema fundamental a passagem do tempo, a transitoriedade da vida. “No entanto, esse aspecto é nele muito desigual, com um peso negativo de falsa profundidade, na linha sentenciosa habitual aos parnasianos. O melhor de sua obra está nalgumas peças em que traduziu o mais profundo desencanto, seja do ângulo subjetivo, seja do ângulo exterior, ou em certos poemas nutridos de uma concepção fina e encantadora da natureza, aliada à mais efetiva magia versificatória...” (Antonio Candido e J. Alderado Castello. Presença da literatura brasileira. Do Romantismo ao Simbolismo, 1996).
Publica em 1883 o livro Sinfonias, com o qual se firmou como poeta parnasiano, pois o livro era perfeitamente parnasiano, realizando a poesia descritiva típica desse estilo, também presente em Versos e versões e Aleluias. O livro Sinfonias tinha o prefácio de Machado de Assis. Em 1897, torna-se sócio fundador da Academia Brasileira de Letras. Falece a 13 de setembro de 1911, em Paris.
Raimundo Correa estreou como romântico: o livro Primeiros sonhos, uma coleção de versos em que Machado de Assis sentiu “o cheiro romântico da decadência”, versos de adolescente que o autor não incluiria na edição definitiva das Poesias. Mas note-se que em meio a cadências casimirianas, há um soneto à idéia Nova, que já então anunciava o republicano e o progressista.
Esse livro revela influência de quase todos os poetas românticos brasileiros, de Gonçalves Dias a Castro Alves. Só assume o Parnasianismo a partir do livro Sinfonias, formando desde então a Trindade Parnasiana, ao lado de Olavo Bilac e de Alberto de Oliveira. Sua temática é a da moda da época, cantando a natureza, a perfeição formal; dos objetos, a cultura clássica; merece destaque apenas sua poesia filosófica, de meditação, marcada pela desilusão e por um forte pessimismo.
Com sinfonias já temos o sonetista admirável de “As Pombas”, “Mal Secreto”, “Anoitecer”, “A Cavalgada”, “Vinho de Hebe”, “Americana”. Falando do sortilégio verbal do poeta, Manuel Bandeira nos ensinou a ver nele o autor de “alguns dos versos mais misteriosamente belos de nossa língua”, versos que, repetidos em tantas antologias escolares, nem por isso perderiam o encanto de suas combinações semânticas e musicais:
As pombas
Raimundo Correa
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, célebres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Ou ainda:
Esbraseia o Ocidente na agonia
O sol... Aves em bandos destacados,
Por céus de ouro e de púrpura raiados,
Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...
(“Anoitecer”)
(Bandeira comenta: “Quem não vê nesse decassílabo todas as celagens e orvalhos da aurora?”)
Neste, sublima o efeito do hiato:
A toalha friíssima dos lagos (“Árida Noturna”).
Aqui, a repetição do dáctilo:
a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitecer (“Cavalgada”).
Outros exemplos de magia plástica e sonora podem-se acrescentar aos citados pelo crítico-poeta:
As cabeleiras líquidas ondulam (“Missa Universal”),
Por céus de ouro e de púrpura raiados (“Anoitecer”),
O sangrento perfil traço por traço (“Luz e treva”),
Ilha isolada como um dorso de baleia (“A ilha e o Mar”),
De um sanguineo abutre a rubra garra viva
(“O Povo”),
Dos cabelos a surda catadupa
(“Americana”),
A pomba da volúpia, a treva densa
(“Na Penumbra”),
Na extrema raia do horizonte infindo
(“Despedida”).
Mesmo fora do contexto, esses versos resistem por seu poder de transmitir sensações raras, complexas, às vezes agrupadas em sinestesias.
Era constante em Raimundo a capacidade de assimilar estilos alheios, dom que lhe custou por vezes a pecha injusta de plagiário. Fino tradutor, fez seguir às Sinfonias, os burilados Versos e Versos.
Um aspecto controvertido de sua obra foi levantada por Luís Murat, desencadeando violenta polêmica: foi Raimundo Correa um plagiador? Ou um “recriador”? A diferença é sutil. O que não pode negar nem o mais ferrenho defensor do poeta é a patente influência, às vezes exageradas, de autores europeus em sua obra. É o caso do soneto “As pombas”, uma repetição literal das idéias apresentadas por Gautier em “Mademoiselle de Maupin”, ou do soneto “Mal secreto”, “recriação” de um poema Metafísico. Entretanto há de se destacar a força lírica de Raimundo Correa, principalmente ao cantar a natureza, quando atinge belos versos impressionais, como em :
Menos fecundo e mais sensível, Raimundo Correa esbateu os tons demasiado claros do Parnasianismo e deu exemplo de uma poesia de sombras e luares que inflectia amiúde em meditação desenganadas.