
Em 12 de julho de 1900, na cidade de Caetité (BA), nascia Anísio Spínola Teixeira. Os habitantes dessa cidade orgulhavam-se da cultura e das escolas da "Corte do Sertão", como era conhecida. Na época em que Anísio nasceu, a escola normal e a escola complementar de Caetité, fundadas por seu pai, Deocleciano Pires Teixeira, ainda funcionavam.
No amplo sobrado da Praça da Catedral, Anísio passou os primeiros anos de vida, sob os cuidados de sua mãe, D. Anna Spínola Teixeira. Cedo, contudo, segundo palavras suas, "foi atirado para a atmosfera dos colégios jesuítas": o Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e o Colégio Antônio Vieira, em Salvador, onde concluiu o secundário.
Em 1914, o jovem Anísio partiria de Caetité para Salvador, em companhia dos irmãos Jaime e Nelson, para ingressar no Colégio Antônio Vieira. Após uma longa viagem a cavalo, os três alcançaram a estrada de ferro. Segundo o depoimento de um de seus irmãos, a locomotiva impressionou-lhe vivamente: era a revelação do poder da tecnologia!
No Antônio Vieira, conviveu Anísio com o padre Luiz Gonzaga Cabral e, sob sua influência, cogitou entrar na Companhia de Jesus. Em carta aos pais, manifesta essa sua intenção não logrando, porém, obter deles o almejado consentimento. Seu pai queria vê-lo político e mandou-o estudar no Rio de Janeiro, onde Anísio ingressaria na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922. Contudo, sua dúvida quanto a que vocação seguir ainda permanecia.
De volta a Salvador, em 1924, já bacharel em Direito, Anísio pleiteou uma vaga de promotor público junto ao governador Francisco Marques de Góes Calmon. Este fez-lhe a surpreendente proposta para ocupar o cargo de Inspetor Geral do Ensino da Bahia. O convite, inicialmente recusado, porque Anísio se considerava despreparado para a função, foi reiterado e finalmente aceito.
Datam dessa época as primeiras leituras mais aprofundadas de Anísio na área de educação. Muito lhe impressionou o livro de Omer Buyse, Méthodes américaines d’ éducation (1908). Pela primeira vez, também, travaria contato com a situação do ensino na Bahia. No mesmo ano de sua entrada na Inspetoria de Ensino, publicou o artigo: "A propósito da Escola Única".
A primeira visita de Anísio aos Estados Unidos foi em 1927. Suas impressões da cultura norte-americana foram anotadas no seu diário de viagem. Em 1928, de volta ao Brasil, publica Aspectos americanos de educação, que contém, além das observações de viagem, o primeiro estudo brasileiro sistematizado das idéias de John Dewey.
Em meados do ano de 1928, volta aos Estados Unidos para um curso de pós-graduação no Teachers College da Columbia University, que lhe confere o título de "Master of Arts". Em meados de 1929, retorna ao Brasil e redige um balanço da Reforma de Instrução na Bahia (1924-1929).
Após a sua volta à Bahia, em 1929, Anísio não consegue sensibilizar o novo governador Vital Henrique Batista Soares, empossado em 1928, a realizar suas propostas. Demite-se da Inspetoria de Ensino (BA) e passa a se dedicar ao magistério. É nomeado para a cadeira de Filosofia e História da Educação da Escola Normal de Salvador.
Em 1930, Anísio publica Vida e Educação, que reúne dois ensaios de John Dewey que traduzira. É a primeira tradução para o português da obra desse filósofo. Ainda de 1930 é o artigo "Por que Escola Nova ?". Nele, Anísio condensa o significado de suas duas viagens à América.
Após a morte de seu pai e de uma tentativa logo abandonada de tornar-se deputado federal pela Bahia, Anísio parte em 1931 para o Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, assumiu a Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, a convite do prefeito Pedro Ernesto Batista. Ainda em 1931, ficou noivo de Emília Telles Ferreira, com quem se casaria no ano seguinte, na cidade de São Paulo.
Em 1932, Anísio tornou-se signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que divulgava, ao povo e ao governo, as principais diretrizes de um programa de reconstrução educacional de um grupo de educadores, alguns dos quais já haviam comandado reformas no ensino público do País, como, por exemplo, Lourenço Filho (Ceará/1922-23) e Fernando de Azevedo (DF/1927-30).
De 1931 a 1935, no governo do prefeito Pedro Ernesto no antigo DF, Anísio criou uma rede municipal de ensino da escola primária à Universidade. Introduziu a moderna arquitetura escolar, ampliou as matrículas, criou os serviços de extensão e aperfeiçoamento, as Escolas Técnicas Secundárias e transformou a antiga Escola Normal, criada na gestão Fernando de Azevedo, em Instituto de Educação.
O canto-coral, a educação física e a rádio-escola também foram aspectos importantes da reforma. A iniciativa mais polêmica, porém, foi a criação da Universidade do Distrito Federal, em abril de 1935. Seu primeiro reitor foi Afrânio Peixoto. Sobre a UDF diria mais tarde Darcy Ribeiro: "filha querida de Anísio, foi fechada e banidos seus professores, os mais brilhantes que o Brasil já teve."
Durante o período de sua gestão na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio escreve os seguintes livros: Educação Progressiva - uma introdução à filosofia da educação (1932) e Em marcha para a Democracia (1934). Pelo que escreveu e por suas realizações no antigo DF, Anísio projetou-se nacionalmente.
Em dezembro de 1935, motivos políticos levariam Anísio a pedir sua demissão junto ao prefeito Pedro Ernesto. Em abaixo-assinado, seus colaboradores lhe prestam solidariedade. Muitos, como ele, são perseguidos e alguns acabam sendo presos. Anísio refugia-se no sertão da Bahia, região de Caetité, fazenda Gurutuba.
Já está afastado da vida pública quando edita Educação para a democracia: introdução à administração escolar (1936).
Entre 1937 e 1945, Anísio permanece na Bahia e se dedica à exploração e exportação de manganês, calcário e cimento; à comercialização de automóveis; à tradução de livros para a Companhia Editora Nacional e à correspondência com amigos, entre os quais Monteiro Lobato.
Em 1946, Anísio aceita o convite que recebe de Julien Huxley, Primeiro-Secretário Executivo da UNESCO (United Nations Educational & Cultural Organization), para ser Conselheiro de Ensino Superior neste órgão. Receoso de um passo definitivo, Anísio comprometeu-se a apenas um período de experiência. Convidado a integrar definitivamente o staff da UNESCO, recusou o convite.
Em 1947, retornava de Londres ao Brasil, dirigindo-se ao Amapá. Voltava disposto a criar sua "pequena tribo de quatro Teixeirinhas" com os lucros do comércio de manganês, cuja concessão para a exploração das jazidas na Serra do Navio - que mais tarde se revelariam as maiores do mundo! - tinha já assegurada. Esses planos se desfariam ante a perspectiva, criada a partir de convite do recém-eleito governador da Bahia, de retornar à vida pública e dar continuidade à sua luta pela educação popular.
Eleito governador da Bahia, Otávio Mangabeira convida Anísio para Secretário de Educação e Saúde do Estado. Anísio não hesita em trocar a possibilidade de enriquecer como comerciante pela retomada da causa da educação pública em sua terra natal.
Já como Secretário de Estado, luta para aprovar na Assembléia Legislativa seu plano de organização do sistema escolar. É dele o discurso que abre os debates sobre educação na Constituinte Baiana em 1947. Ainda nessa administração, Anísio criou e foi secretário-geral da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia. Seu objetivo com este órgão era fixar no seu estado natal, mediante longos contratos, cientistas promissores que realizassem pesquisas sociais. Chegou inclusive a estabelecer convênios com a UNESCO e a Columbia University nesse sentido, mas logo seria convidado a atuar na capital do País.
Uma das mais importantes iniciativas de Anísio como Secretário de Educação e Saúde, no governo Otávio Mangabeira, foi a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente conhecido como Escola-Parque, no bairro da Liberdade. Esta criação ampliou seu reconhecimento em âmbito internacional.
A Escola-Parque, inaugurada em 1950, procurava oferecer à criança uma educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização, preparação para o trabalho e para a cidadania. Nesta Escola, também as artes plásticas estavam incluídas, muitas vezes sob a orientação de artistas de renome, como, por exemplo, Caribé e Mário Cravo.
A luta de Anísio pela educação popular continuou intensa em toda a década de cinqüenta através de conferências, de livros, de manifestos e de sua gestão na administração pública. A polêmica em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ganhava, graças à sua atuação e a de outros educadores, maior espaço nos jornais, nas revistas e nos debates da Assembléia Legislativa e das associações de classe, como a Associação Brasileira de Educação(ABE).
Na gestão pública, Anísio assumiu em 1951, no Rio de Janeiro, a convite do ministro Simões Filho, a Secretaria Geral da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, que seria por ele transformada num órgão: a Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). No ano seguinte, sucedendo Murilo Braga, acumularia também o cargo de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), no qual permaneceu até 1964.
Como diretor do INEP, Anísio criou no Rio de Janeiro o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), com o objetivo de coordenar estudos sociológicos, antropológicos, estatísticos e históricos sobre a realidade brasileira. Além deste, foram criados os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais em Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Porto Alegre. Os Centros de São Paulo e Porto Alegre se articularam com as Universidades dessas cidades e o de Salvador com a Secretaria de Educação do Estado.
Esses Centros reuniram intelectuais nacionais e internacionais de renome que fizeram pesquisas sobre os temas mais variados como, por exemplo, a reconstituição histórica de aspectos da realidade brasileira, a urbanização, a industrialização e seus efeitos sobre a escolarização do país, a formação de docentes para o primeiro e segundo graus. O CBPE chegou a ter uma biblioteca de educação com 120.000 volumes e a editar uma publicação da maior importância para a área, a revista Educação e Ciências Sociais.
Durante sua gestão na CAPES e no INEP, Anísio proferiu inúmeras conferências pelo País que lhe renderam dissabores e perseguições. Seu livro Educação não é privilégio, publicado em maio de 1957, recebeu aplausos e críticas. Fora escrito a partir de um balanço de sua experiência como educador, experiência essa que também se faz presente em A Educação e a crise brasileira (1956).
A publicação de Educação não é privilégio, em meio aos debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, se inseria no embate travado entre educadores liberais, educadores católicos e proprietários de escolas particulares em torno dos rumos da educação no País. No momento em que a polêmica se acirrou, os bispos gaúchos liderados por Dom Vicente Scherer defenderam, através de um documento, os interesses do ensino confessional católico.
Durante sua gestão na CAPES e no INEP, Anísio proferiu inúmeras conferências pelo País que lhe renderam dissabores e perseguições. Seu livro Educação não é privilégio, publicado em maio de 1957, recebeu aplausos e críticas. Fora escrito a partir de um balanço de sua experiência como educador, experiência essa que também se faz presente em A Educação e a crise brasileira (1956).
A publicação de Educação não é privilégio, em meio aos debates em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, se inseria no embate travado entre educadores liberais, educadores católicos e proprietários de escolas particulares em torno dos rumos da educação no País. No momento em que a polêmica se acirrou, os bispos gaúchos liderados por Dom Vicente Scherer defenderam, através de um documento, os interesses do ensino confessional católico.
O antigo sonho de Anísio de criar uma universidade teve nova oportunidade de se concretizar com a instalação, na nova capital federal, da Universidade de Brasília, da qual foi um dos idealizadores, ao lado de Darcy Ribeiro - a quem Anísio entregou a condução do projeto - e com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que reunia a comunidade científica do País.
A trajetória de criação desta universidade conheceu a resistência daqueles que, como Israel Pinheiro, temiam a presença de estudantes, vistos, ao lado dos operários, como elementos de agitação, ou ainda dos que, como Dom Helder Câmara, pretendiam a construção simultânea de uma universidade católica, sob a condução dos jesuítas. Resistências vencidas com a habilidade de políticos experientes, Anísio e Darcy viram o sonho se concretizar. A lei que criava a Universidade foi sancionada pelo presidente João Goulart, em 1961. Darcy foi nomeado seu reitor e Anísio vice-reitor. Quando o primeiro precisou se afastar do cargo para assumir a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, em 1963, Anísio assumiu a reitoria.
A Universidade de Brasília foi concebida com a intenção de se tornar a melhor experiência educacional da América Latina. Pretendia-se gerar, através dela, uma comunidade de pesquisadores capazes de diagnosticar e oferecer soluções aos problemas da sociedade brasileira. Segundo depoimento de Darcy Ribeiro, a UnB nasceu como uma fundação. Era, portanto, uma universidade autônoma e se pretendia que nela ninguém fosse discriminado por convicções políticas ou religiosas.
A universidade já surgia com cursos de pós-gradução, ao lado dos cursos de graduação. Possuía oito Institutos Centrais (Matemática, Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências Humanas, Letras e Artes), cada um deles dividido em Departamentos, para os quais se recrutaram jovens professores nas diversas regiões do País. Previa-se ainda o intercâmbio permanente entre os Institutos. Vários educadores se pronunciaram sobre o projeto: Almeida Júnior, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Jayme Abreu, Maria Yedda Linhares, dentre outros.
Em março de 1964, Anísio ocupava o cargo de Reitor da Universidade de Brasília. O governo militar recém-instaurado o afastou, porém, deste posto. Atingido por esse ato de força, embarcou para os Estados Unidos para lecionar como "visiting scholar" na Columbia University (1964), na New York University (1965) e na University of California (1966).
Nessa fase em que se viu forçado a abandonar a UnB, apresentou uma tese ao Conselho Federal de Educação, em que tratava de um de seus temas preferidos e recorrentes: a formação docente. Ao tomar conhecimento dessa tese, Alceu Amoroso Lima, também membro do Conselho, recordou o antigo antagonismo entre eles e celebrou sua admiração pelo ex-adversário. A vida muda os homens...
Ao retornar ao Brasil, Anísio continuou a dedicar-se à educação. Permaneceu integrado ao Conselho Federal de Educação até o final de seu mandato. Organizou e reviu coletâneas e reedições de antigos trabalhos: Pequena introdução à filosofia da educação (1967), Educação é um direito (1967), Educação no Brasil (1969) e Educação e o mundo moderno (1969). Tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas e voltou a trabalhar na Companhia Editora Nacional.
No início de 1971, mais uma vez pressionado por intelectuais, Anísio aceitou candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Em março deste mesmo ano, sua morte trágica, noticiada e debatida em vários jornais, interrompeu brutalmente sua trajetória.
Na pasta que carregava consigo por ocasião de seu desaparecimento, foi encontrado um manuscrito onde, como sempre, demonstra seu compromisso com a mudança visando a transformação social:
"Com efeito, todo o presente modo de pensar do homem é modo de pensar em termos de mudança. A essência do método científico está em sua posição de juízo suspenso. Tudo que fazemos se funda em hipóteses, sujeitas obviamente a mudanças. Tais mudanças decorrem de novos conhecimentos, os novos conhecimentos decorrem de novas experiências e tais novas experiências do fluxo ininterrupto de mudanças..."
NUNES, Clarice. Anísio Teixeira: a poesia da ação. Rio de Janeiro: PUC/ Departamento de Educação, 1991. (Tese de doutorado, v.1).
______________. Prioridade número um para a Educação Popular. In: TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 5ªed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. p.197-250.
RIBEIRO, Darcy. Depoimento. In: ROCHA, João Augusto de Lima et alii. Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992. p.60-68.
_____________. Dr. Anísio. In: TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 5ªed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994. p.7-14.
SCHAEFFER, Maria Lúcia Garcia Palhares. Anísio Teixeira - formação e primeiras realizações. São Paulo: USP/Faculdade de Educação, 1988. (Estudos e Documentos, v.29)
VIANA FILHO, Luís. Anísio Teixeira: a polêmica da educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. 210p.
Anísio Teixeira: A História da Educação no Brasil
Autor: Rachel Moraes Castro Data: 06/04/2009
Resumo
A pesquisa realizada teve como primeira intenção, conhecer Anísio Teixeira e sua trajetória dentro da História da Educação no Brasil. A segunda intenção foi perceber se suas ideias do início do século XX continuam bem vivas e atuais. A terceira intenção foi constatar por que se deve estudar sua trajetória dentro da educação. E como quarta intenção, afirmar que seu estudo deve fazer parte da formação acadêmica dos alunos dos cursos de licenciatura. As ideias de Anísio Teixeira permanecem originais para a atualidade, podendo ser discutidas em qualquer esfera, tanto administrativas quanto educacionais. Tendo plena consciência de que ao explorar um dos principais brasileiros e conhecer sua luta pela escola primária, pela formação dos professores e pela gratuidade com qualidade, fará com que cada novo egresso da academia perceba que nela, apenas recebemos o mínimo necessário para começarmos nossa jornada na formação dos novos governantes deste imenso país. O trágico desaparecimento precoce de Anísio Teixeira, ocorrido no ano de 1971, calou uma das mentes brasileiras mais privilegiadas dos últimos séculos.
Palavras-chave: História da Educação, Anísio Teixeira, Educação, Brasil
Área do Conhecimento: Ciências Humanas
Introdução
A forma como se origina e evolui o poder político tem implicações para a evolução da educação escolar, uma vez que esta se organiza e se desenvolve para atender aos interesses das camadas representadas na estrutura do poder, ou seja, como encontramos em Romanelli (1984, p.29) "quem legisla, sempre o faz segundo uma escala de valores próprios da camada a que pertence".
Descobrir Anísio Teixeira foi muito mais do que descobrir um idealista, um educador ou um filósofo... Foi descobrir um grande brasileiro.
Com este artigo, a autora tem a pretensão de dar a conhecer a trajetória deste cidadão dentro da educação brasileira, demonstrando que suas ideias são tão atuais para o século XXI como o foram nos meados do século passado. Constatará ainda que estas continuam sendo importantes, principalmente quando governos atuais as incorporam e as colocam em prática, mudando o cenário da educação brasileira.
Anísio Teixeira e a Educação Brasileira
A escola pública, gratuita, laica e aberta a todos os brasileiros, foi a grande luta de Anísio dentro de nosso cenário educacional. Ele entendia que a democratização do país se daria mais rapidamente através da escolarização da população, principalmente a de baixa renda, uma vez que seria a oportunidade de desenvolver os talentos e habilidades desses indivíduos. Definiu que "o novo homem, independente e responsável, é o que a escola progressiva deve preparar" (MONARCHA, 2001, p.11).
Anísio enfatizou que "a escola não pode ficar no seu estagnado destino de perpetuadora da vida social presente. Precisa transformar-se no instrumento consciente, inteligente do aperfeiçoamento social" (TEIXEIRA, 2000, p.113).
Autores educacionais como Ghiraldelli (2000) concordam hoje que um povo com pouca instrução é incapaz de perceber as diferenças e as oportunidades que passam por ele, que é mais fácil manipular e governar ignorantes que não conhecem seus direitos e, portanto, não brigam por eles. Anísio (1996), afirmava que "a escola primária tem que ser a mais importante escola do Brasil, depois a escola média, depois a escola superior".
Ele teve participação pelos órgãos e pelos cargos que ocupou, mostrando o pensador, filósofo da educação, o executivo, o criador de procedimentos que aceleraram o desenvolvimento e a universalização da educação, principalmente, a educação básica. De inigualável inteligência e discernimento, Anísio conseguia pensar, ao mesmo tempo, nos fatos e problemas educacionais.
1. Universidade do Distrito Federal - UDF
Criada pelo decreto municipal n° 5.513/35, a Universidade do Distrito Federal - UDF era composta por cinco escolas: Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofia, e Instituto de Artes.
Seu principal objetivo era encorajar as pesquisas científicas, literárias e artísticas, além de "propagar as aquisições da ciência e das artes pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos de extensão popular". O que se pretendia era a produção de profissionais que formassem o quadro de intelectuais do país.
No seu primeiro ano de funcionamento, a UDF inaugurou os primeiros cursos de formação de professores e de especialização em diversas disciplinas. Para seu corpo docente foi articulada a vinda de uma missão francesa, com professores de diferentes áreas do conhecimento. Embora despontasse como um centro de ensino inovador no Brasil na década de 1930, logo enfrentou dificuldades políticas provocadas pela revolta comunista de novembro de 1935. No fim deste mesmo ano, Anísio foi demitido junto com professores, abrindo-se uma crise no interior da universidade recém-criada.
Apesar das dificuldades, em 1937 a universidade formou sua primeira turma e pareceu que o projeto de Anísio poderia se consolidar. Mas logo percebeu-se que o projeto era contrário ao Ministério da Educação. Enfim, o Estado Novo a incorporou à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, criada em 1939, que deveria submeter-se ao estreito controle doutrinário da Igreja Católica.
2. Formação de Professores
Os Institutos de Educação foram criados, segundo Nunes (1998), para adequar as normalistas ao desenvolvimento das ciências da educação e para formar o educador profissional com competências específicas para atuar nas escolas públicas, consideradas por Anísio como o campo de atuação do professor para a aplicação das ciências.
A transformação da Escola de Formação de Professores em Instituto de Educação, onde ocupava lugar de destaque na Universidade do Distrito Federal - UDF tinha como função formar a cultura pedagógica nacional.
Foi alçada como escola modelo e contava com um jardim de infância, escola primária, escola secundária e laboratório de pesquisas educacionais. Criou-se outras escolas experimentais, onde se abriu espaço para estudos da prática escolar ali desenvolvida.
3. Centro Educacional Carneiro Ribeiro
Também chamado de Escola Parque, tinha intenção de dar à população carente uma escola primária de qualidade, que tivesse todo o seu dia letivo completo - período integral. Anísio projetou a Escola Parque, que foi fundada em 21/09/1950, no bairro da Liberdade em Salvador/BA.
Com cinco anos de curso, o programa completo apresentava: leitura, aritmética e escrita, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, a escola tinha objetivos de educar, formar hábitos, atitudes, cultivando as aspirações e preparando a criança para a sociedade - técnica e industrial. A escola promoveria a saúde e alimentaria as crianças, prevenindo qualquer grau de desnutrição e abandono, se houvesse.
4. Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes
Criadao pelo Decreto 29.741, em 11/06/1951, com o objetivo de "assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficiente para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país". Era subordinado diretamente à Presidência da República.
Anísio chega ao CAPES com o compromisso de autonomia, boas ideias e liderança institucional. Logo cria o Programa Universitário junto às instituições de nível superior, tendo como pressuposto a disseminação do conhecimento por meio de um grupo de professores assistentes em torno de um tutor. Contrata professores estrangeiros a fim de estimular o intercâmbio e a cooperação científica, concedendo bolsas de estudo e apoiando os eventos na área.
5. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP
Anísio entra no INEP no ano de 1952 e permanece até o golpe militar, em 1964. Porém, sua influência nos trabalhos permaneceu até a sua morte, em 1971. Durante sua gestão, o INEP tinha a tripla função: documentação, pesquisa e divulgação; caracterizando-se por executar políticas públicas em educação.
Para Saavedra (BRASIL, 2005, p.196), o período pode ser dividido em duas etapas: a primeira, de 1952 até 1961, quando ocorreram os debates sobre as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que culminou com a aprovação da LDBEN 4.024/61; e a segunda de 1962 até 1971, quando houve os debates sobre a Reforma Universitária e de Ensino de 1º e 2º Graus, que culminou com a LDBEN 5.692/71.
A partir de 1944, começa a circular a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBPE, servindo para a divulgação da produção intelectual a fim de formar as concepções educacionais brasileiras. Os artigos publicados pela revista, durante o período de Anísio, eram focados nas concepções humanistas modernas, segundo Saviani (BRASIL, 1984, p.284).
Com a entrada dos militares no poder, a RBEP publica artigos onde deixa claro não ir contra às decisões governamentais relativas à ordem pública; a grande reforma a ser realizada é a universitária. O Conselho Federal de Educação é o órgão indicado a fazê-lo com o apoio das pesquisas realizadas pelo INEP. Com isso, o órgão sobrevive os anos da ditadura.
6. Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
Anísio (1994) considerava a sociedade despreparada para enfrentar novos desafios, afirmava que ela tinha uma educação "livresca e ornamental". Propôs, então, retomar o processo de reconstrução escolar iniciado nas décadas de 1920 e 1930, buscando nas ciências um itinerário para essa reconstrução. Em 28/12/1955, sob o Decreto 38.460, cria o centro de documentação, que tinha como principal função "integrar a atividade de pesquisa e de documentação, facilitando a sistematização dos trabalhos e a posterior divulgação de seus resultados" (BRASIL, 2005, p.196).
7. Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
Anísio afirmava que o grande problema a ser enfrentado era a construção de uma escola que atendesse, por um lado, as demandas de uma sociedade em pleno avanço tecnológico e, por outro, que fosse instrumento de democracia. A sociedade estava passando por transformações em relação à industrialização e a escola oferecia educação defasada quanto às necessidades sociais, uma vez que os objetivos da educação não focavam os interesses dos cidadãos de "ascenderem socialmente". Enfatizava que a escola deveria ser autônoma e diversificada (BRASIL, 2005, p.198).
Todos os CRPE foram criados nos moldes franceses, com função de elaborar pesquisas educacionais, centralizar documentação e livros sobre educação, além de disseminar a informação na formação de professores.
Os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais - CRPE - foram instalados nas seguintes cidades: São Paulo - vinculado à Universidade, onde ganhou impulso e prestígio; Belo Horizonte - vinculado à Secretaria de Educação, com o programa americano-brasileiro de aperfeiçoamento do magistério, sendo considerado o maior centro de estudos didáticos da escola primária; Bahia - vinculado à Secretaria de Educação, fazendo-se centro de experimentação do ensino primário com a escola experimental, onde se processou o aperfeiçoamento do magistério primário; Recife - vinculado diretamente ao INEP; Porto Alegre - vinculado à Universidade e à Escola de Filosofia; Rio de Janeiro - vinculado ao INEP, como uma expansão do mesmo, absorvendo antigos serviços de estudo, documentação, biblioteca e desenvolvendo o aperfeiçoamento do magistério, mantendo uma escola primária para demonstrações.
8. LDBEN 4.024/61
Foi enviada ao Congresso Nacional em 1948. Ficou parada até 1957, quando se iniciaram as discussões. A polêmica girou em torno da centralização contra a descentralização do ensino. A grande questão era a defesa da escola privada contra a defesa da escola pública.
Em 1959, publica-se o "Manifesto dos Educadores mais uma vez convocados" (LOURENÇO FILHO, 1959, p.144), que reúne intelectuais liberais, progressistas, socialistas, comunistas e nacionalistas. Estes focaram as questões em torno da política educacional, ficando as questões pedagógicas em segundo plano. Com isso, foi lançado o substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, que defendia os interesses da escola particular. Desse ponto em diante, a Igreja Católica entra na disputa defendendo seus interesses, utilizando a ideologia como arma nas discussões. Seus argumentos diziam que a escola pública apenas instruiria os alunos, mas não os educaria; a escola confessional desenvolveria a inteligência e o caráter; aos pais cabia o direito de educar física, intelectual, moral e religiosamente seus filhos; os defensores das escolas públicas eram inimigos da família, da pátria e de Deus.
Os defensores da escola pública acusavam a igreja de sempre ter representado os interesses das classes privilegiadas e de continuar a fazê-lo. Argumentavam que todos os indivíduos tinham direito a frequentar a escola. O texto final publicado, segundo Saviani (2003), mostra que filosoficamente, a concepção humanística moderna defendida pelos que argumentavam em favor da escola pública prevaleceu. Mesmo assim, ainda houve resquícios da influência religiosa.
9. Universidade de Brasília - UnB
A iniciativa de criar a universidade contrariou aqueles que temiam a presença de estudantes na capital federal e os interesses da igreja, que queria a construção de uma universidade católica sob o controle dos jesuítas.
A UnB inovou a educação brasileira ao implantar um centro de florescimento cultural e artístico, em que fossem estimuladas as letras e as artes, proporcionasse aos órgãos públicos toda a assessoria necessária. Era fundamental que houvesse a mais alta qualificação científica, aliando liberdade docente à autonomia acadêmica, a fim de que a universidade se tornasse um núcleo de amadurecimento e de consciência crítica nacional.
A proposta da UnB, segundo Ribeiro (1978), era a de ser uma universidade completa, que cobrisse todos os campos do saber. Deveria ser capaz de cultivar, aplicar, ensinar, apresentar fidelidade aos padrões internacionais do saber e de buscar soluções para os problemas nacionais. A instituição era composta de pessoas ligadas à sociedade brasileira para o progresso da ciência, as quais deveriam construir uma estrutura que estimulasse a transformação do país.
A Universidade foi organizada em três componentes fundamentais: os institutos centrais de ciências, letras e artes, dedicados ao cultivo e ensino do saber fundamental; as faculdades profissionais, devotadas à pesquisa e ao ensino nas áreas das ciências aplicadas e técnicas e os órgãos complementares, que prestariam serviços à comunidade universitária e à cidade. Assim, a universidade desenvolveria suas potencialidades desde o nível básico até a pós-graduação. Anísio estava na reitoria quando os militares chegaram ao poder.
Conclusão
Anísio Teixeira tinha o cerne dos educadores centrados na formação intelectual da população, notadamente a de baixa renda, que de outra forma não poderia recuperar sua crença em alguma mudança social. Ele tinha ideias e saía à luta para que elas se fizessem práticas, unindo a administração com a inigualável capacidade de análise das ações. Sua vida foi pautada na luta pela obrigatoriedade do ensino público, gratuito, laico e aberto a todos; na formação dos professores, principalmente os da escola primária e no fortalecimento das instituições de pesquisa. Seus livros, um marco para se entender a História da Educação no Brasil, constatam o caráter excludente da educação brasileira. Ele demonstrou que o afunilamento no ingresso aos níveis seguintes da educação se davam pela situação econômica do indivíduo, ao invés da situação de competência.
Por meio do Centro Carneiro Ribeiro - Escola Parque - Anísio mostrou que a educação deveria ser efetuada em período integral, modo que contemplaria as crianças de baixa renda, dando-lhes oportunidades para descobrir talentos e habilidades, e assim desenvolvê-los. Um exemplo de que suas ideias ainda se mostram atuais pode ser observado na expansão das escolas públicas de tempo integral.
A leitura dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN - mostra ideias anisianas em seus objetivos e metas, principalmente quando dá ênfase à relação professor-aluno. Na mediação do conhecimento, entram os métodos do filósofo John Dewey, privilegiando o aprender a aprender, dando oportunidade para o aluno pensar e julgar por si, num ambiente escolar democrático. Dizia Anísio (1994) que na escola "os passivos se agrupam, os capazes são desencorajados e os outros são destruídos", dando alusão aos tipos de inteligência. Anísio carregou uma convicção, a de que as questões sociais eram manifestações da cultura e de que era preciso combater os problemas que a industrialização trazia.
A democracia fez-se uma democracia de consumo, o homem sentindo-se tanto mais importante quanto mais pudesse consumir. A aquisição de bens materiais passou a ser a maior necessidade do homem, deixando de lado o conhecimento escolar para uma real modificação de vida.
Dominando completamente as teorias pedagógicas no seu tempo, Anísio Teixeira elevou seu pensamento e suas ações na educação brasileira, como um todo.
Referências
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Rachel é professora da rede municipal de Joinville.